as vezes eu quero demais e eu nunca sei se mereço

a linha tênue entre merecer mais e se perder na romantização

“obcecada pelo desejo de ser feliz eu perdi minha vida, movi-me com uma tensão de arco e flecha numa irrealidade de desejos"- Clarice Lispector

Eu sempre fui uma pessoa com grandes sonhos, sempre esperei mais da vida e nunca senti que o que era verdadeiramente meu havia chegada. Mas, a medida em que fui crescendo, comecei a ter medo de não haver nada mais que aquilo pra mim, então comecei a me agarrar nas coisas ao meu redor mas a sensação de que aquilo era meu pra sempre nunca chegou. Cresci com medo de ser ingrata com o que eu tinha mas eu continuava com problemas em entender meu contexto atual e me contentar com ele, pois sempre senti que havia algo a mais, eu precisava de algo a mais, mas e se aquilo fosse tudo? Foi quando me deparei com essa frase da Clarice que foi como uma farpa encravada no meu pé. Comecei a valorizar mais as pequenas coisas mas ao mesmo tempo me veio um medo enorme de estar perdendo algo ao me permitir o luxo do querer. Nesse ponto, sonhar poderia ser uma ameaça a minha própria felicidade.

Claro que não acredito que sonhos fossem vistos como ameaça para a Clarice, ela própria deixa claro que foi uma grande sonhadora em seu último livro: Um sopro de vida, mas pensei muito comigo mesma quando li isso porque cresci abarrotada de idealizações e propaganda e não confio em mim o suficiente pra garantir que não era apenas infantilidade minha querer demais. E se meus sonhos fossem na verdade uma grande tendência imatura de romantização de tudo? Mas, ao mesmo tempo que eu quero mais, eu sempre senti que mereci tão pouco, sempre senti que, talvez, quem eu fosse não condissesse com o que eu quero pra a minha vida e é ai que entra outra questão: e se, ao me preocupar em perder minha vida esperando, eu estivesse aceitando a mediocridade e me condicionando ao fracasso por medo de tentar?

Tirinha de Laerte Coutinho onde ela expressa a morte do ser por meio da perda de esperança. Ao sonhar pequeno e abandonar os sonhos anteriores, o personagem perde sua essência e morre.

A questão é que, parando pra pensar, o que eu quero está intrinsecamente ligado com quem eu sou, pois, os meus desejos são pautados pela minha essência: o sonho. Eu apenas sou quem eu sou hoje porque um dia sonhei em ser e os meus desejos guiam minhas escolhas. Eu realmente não acho que estou pedindo demais apesar de saber que a vida que eu quero exige muito de mim pois, deixei de acreditar em destino há muito tempo e sei que nada é tão arbitrário quanto esperar a vida trazer o que é meu, mas é claro que a consciência do peso das minhas escolhas torna tudo mais difícil até do que se fosse uma simples questão de ser ou não ser pra mim. Tenho medo de perder muito do caminho sonhando com o fim mas também tenho medo de achar o caminho tão satisfatório que eu desista de seguir em frente. mas apesar de todo esse questionamento, tenho que seguir todos os dias me dividindo entre presente e futuro sem deixar que ambos virem passado diante dos meus olhos antes que eu perceba, afinal, o que me resta agora se não viver?

Eu sou o tipo de pessoa que gosta de ter uma resposta pra tudo, não aguento ter uma conversa com uma amiga sem trazer algum tipo de fechamento pras minhas próprias indagações e raramente há alguma coisa da qual eu não estou convicta mas dessa vez eu não sei, realmente não sei. queria que alguém me dissesse se eu estou ou não querendo demais mas talvez a própria resposta me limite, talvez a dúvida seja exatamente a liberdade necessária pra ir até onde eu preciso então dessa vez fico sem resposta. Todavia, acho que nada na vida é preto e branco e o caminho certo provavelmente está entre essas duas coisas. Talvez o caminho certo seja sempre proveitoso o bastante pra você aproveitá-lo sem desviar do destino final e o final realmente seja essa tão sonhada sensação de pertencimento, mas, certamente devemos ser otimistas quanto a isso.